Efeito Selic: fundos multimercados têm fuga bilionária de capital
Em apenas três meses, investidores retiraram R$ 25,6 bi. Veja os fundos que resistiram e foram bem em 2021
Por JENNE ANDRADE – [email protected]
- Entre janeiro e novembro deste ano, a mediana dos retornos dos fundos multimercados foi de apenas 0,67%. O desempenho é substancialmente pior em relação a 2020, quando a rentabilidade foi de 5,1%
- A explicação para a performance aquém do observado em exercícios anteriores está no próprio cenário doméstico. A agência Austin Rating avalia que a Bolsa brasileira foi a segunda pior do mundo em 2021
- A alta da Selic também empurrou muitos investidores de volta para fundos de renda fixa, que viram as rentabilidades engordarem com o aumento dos juros
Os fundos multimercados possuem uma variedade de opções à mão para buscar retornos robustos ao investidor. Esses produtos podem investir em ações, renda fixa e moedas, por exemplo, mas a flexibilidade de gestão não foi suficiente para lidar com um mercado interno totalmente disfuncional – pelo menos para a maior parte destas aplicações em 2021.
Entre janeiro e novembro deste ano, a mediana dos retornos dos fundos multimercados foi de apenas 0,67%. O desempenho é substancialmente pior em relação a 2020, quando a rentabilidade foi de 5,1%. Em 2019 e 2018, os resultados também foram expressivos, com uma valorização média de 11,01% e 7,07%, respectivamente. Os dados foram levantados pela Economatica Brasil a pedido do E-Investidor.
A explicação para a performance aquém do observado em exercícios anteriores está no próprio cenário doméstico. A agência Austin Rating avalia que a Bolsa brasileira foi a segunda pior do mundo em 2021, perdendo apenas para a Bolsa da Venezuela. No acumulado dos últimos 11 meses, o principal índice de ações da B3 acumulou uma queda de 10%. O americano S&P 500, por outro lado, subiu 26,8% no mesmo período.
O descolamento do principal benchmark de ações do País em relação aos pares no exterior é somente a ponta do iceberg. Especialmente no 2º semestre do ano, o mercado brasileiro entrou em uma forte espiral negativa. Os constantes ruídos políticos e ameaças ao rompimento do teto de gastos desenharam uma conjuntura de dólar nas alturas, incertezas e instabilidade.
Do ponto de vista macro, a inflação surpreendeu ao disparar 10,7% nos últimos 12 meses, pressionando o Banco Central a subir juros de forma mais célere. A Selic passou de 2%, em março, para os atuais 9,25%, com vistas a ultrapassar os dois dígitos no início de 2022. Apesar de os fundos multimercados terem acesso a diversos tipos de ativos, a deterioração geral das condições estreitou as alternativas.
“A preocupação atual dos gestores é como ter ganhos se todo o cenário é adverso”, afirma Rodrigo Franchini, sócio da Monte Bravo Investimentos. “Quando começou a derrocada fiscal e todo o imbróglio da aprovação da PEC dos precatórios, já sabíamos que os multimercados seriam pressionados. É difícil recompor as posições e ajustar o tamanho dessas posições para as alocações que seriam necessárias para proteção do fundo. Essa movimentação não é trivial, além de se ter resgates todos os dias.”
A alta da Selic também empurrou muitos investidores de volta para fundos de renda fixa, que viram as rentabilidades engordarem com o aumento dos juros. Somente nos meses de setembro, outubro e novembro, os multimercados sofreram resgates de R$ 8,9 bilhões, R$ 11,8 bilhões e R$ 4,8 bilhões, respectivamente. Isto é, engataram três meses de baixas.
No total, foram R$ 25,6 bilhões que saíram dos multimercados. Enquanto isso, os fundos de renda fixa captaram R$ 73,2 bilhões no período. Para Mario Goulart, analista da O2Research, essa migração é natural dada as condições atuais do mercado. “Quem investe em fundos é majoritariamente a pessoa física, que lê a notícia de que a Bolsa está caindo, vai lá e saca”, afirma Goulart. “Eu acredito que esses momentos de pânico, de grandes quedas, são os piores para tirar dinheiro da Bolsa.”
Na visão de Rodrigo Beresca, analista de soluções financeiras da Ativa Investimentos, os fundos de renda fixa realmente são opções interessantes com a Selic em alta. “Os ativos atrelados a taxas flutuantes e de crédito privado são interessantes neste momento”, afirma. “Mas o investidor que está aplicando em fundos multimercados ou de ações não deve visar o curto prazo. O horizonte para investimento de fundos é para médio e longo prazo.”
Os sobreviventes do ano
Não são todos os multimercados que amargam perdas em 2021. Dentro da classe, existem produtos entregando rentabilidades de até três dígitos. Segundo dados da Economatica, dos 10 fundos com os maiores retornos do ano, pelo menos nove têm como proposta fazer investimentos no exterior ou em criptomoedas.
O produto Blp Digital 100, da BLP, é o grande campeão do ano. Com uma alta acumulada de 210,9% até novembro, o fundo investe em uma carteira diversificada de ativos digitais. Na sequência, aparece o Hashdex 100 Nasdaq Crypto, da Hashdex, que também aplica em criptoativos e subiu 165,63% no período.
O fundo da Esh Capital, o Esh Theta FI Mult, está em terceiro lugar no ranking, com uma alta de 117,5%. Este é o único multimercado entre os de maiores retornos que não é totalmente voltado para mercados descorrelacionados, apesar de também poder realizar investimentos no exterior. A lista dos produtos com rentabilidade acima de 5% no ano ainda conta com vários tipos de multimercados, como os que investem em metais, mercados emergentes e em treasures.
Em tese, tentar fugir do risco-Brasil estaria ao alcance de qualquer fundo multimercado. De acordo com a regulação, esses produtos podem investir até 20% (para pessoas físicas) em ativos no exterior. No entanto, nem todas as equipes de gestão têm essa expertise. E é nesses momentos de crise que alguns gestores se destacam.
“Teoricamente, os fundos multimercados poderiam se expor ao mercado externo, mas se a Asset não souber trabalhar com posições lá fora, não tiver um time que olhe o que fazer e por que fazer e que entenda os movimentos de câmbio, provavelmente será um passo maior do que as pernas e os investimentos terão perdas”, afirma Franchini, da Monte Bravo. “Muitas Assets até poderiam, mas não tem know-how [conhecimento] para fazer isso.”
Goulart, da O2Research, reforça essa visão. “Com exceção de um ou outro que se antecipa, sai de ação e entra em dólar na hora certa, os fundos costumam acompanhar o mercado. Quem ganhou foi quem entrou em fundo que tinha juros pós-fixados, porque quem acompanha o Ibovespa perdeu dinheiro”, afirma.
O que esperar dos multimercados
O ano difícil para a maioria dos fundos multimercados não tira a expectativa de melhora no horizonte. A tendência é que o orçamento seja ajustado para o ano que vem e que o risco fiscal diminua. Se este cenário se concretizar, os prêmios sobre a renda fixa devem ser normalizados.
Até a última sexta-feira (10), por exemplo, um Tesouro Prefixado 2024 pagava 10,5% ao ano, mas no auge do estresse, em meados de outubro e novembro, as taxas chegaram aos 12%.
“Os fundos multimercados terão de novo em suas carteiras juros melhores. Eles também aproveitaram as elevações de juros e vão ter posições que irão se beneficiar”, afirma Franchini. Com o fechamento da curva de juros (expectativa de queda dos juros nos próximos anos), haverá marcação de mercado positiva nos fundos que aproveitaram e se posicionaram em títulos de renda fixa, quando estes estavam pagando retornos altos.
Como essa classe de ativos depende da estratégia de cada investidor, não há consenso sobre o que fazer em momentos de queda ou baixa rentabilidade.
“O investidor tem que olhar o quanto ele aceita estar disposto ao risco do multimercado, entendendo muito bem qual a política do fundo para entender se vale a pena continuar. Se o investidor entrou em alta, agora que o mercado está se acalmando não seria o momento de sair”, diz Goulart.
Beresca, da Ativa, também indica que o investidor sempre analise o seu perfil de risco para saber se aceita perdas e oscilações na carteira. Além disso, é necessário observar com cautela a equipe de gestão dos fundos. “É relevante ver se os gestores têm experiência no mercado ou se é uma gestão nova”, alerta.